17
setembro
2011

Na curiosidade de entender mais a fundo como é o mundo feminino por de trás das “shilas e abayas“, (o véu e o vestido preto que as muçulmanas usam aqui), fui conversar com uma emirati muçulmana que conheci quando fui tirar minha carteira de motorista.

Muito simpática e atenciosa, ela, a coordenadora, me recebeu com muita educação e respeito, quando eu ainda fazia as aulas obrigatórias para tirar minha carteira de motorista de Dubai.

Tanto a minha instrutora como as outras, se vestiam com abayas e shilas. Era um tanto estranho ter um contato tão próximo com alguém que se vestia assim, pois para mim, elas sempre pareceram ser algo de “outro planeta”.

Mas a minha curiosidade não parou nas aulas. Eu queria saber mais sobre a vida dessas mulheres cobertas, o que elas sentiam e pensavam com relação a esse traje que apagava completamente sua feminilidade.

Com o meu blog no ar, achei que seria uma boa  oportunidade ir entrevistá-las e ver realmente qual era esse mistério que o mundo ocidental custa a entender. E lá fui eu, com a cara e a coragem tentar extrair algumas palavras desse mundo tão obscuro.

A coordenadora, a princípio custou um pouco a lembrar de mim, mas como eu, na época das aulas, ia até ela para me orientar em algumas questões do trânsito da cidade, logo sua memória veio a tona, e mais uma vez, muito simpática, concordou em conversar comigo sobre sua cultura.

Em uma sala mais reservada, ali sentamos e comecei as minhas perguntas com o máximo de cuidado para que nenhuma ofensa fosse indagada a ela ou a sua religião. Eram tantas as interrogações que eu tinha em mente, que a entrevista virou mais um bate-papo descontraído do que outra coisa.

TK: Por que vocês tem que cobrir todo o corpo? Não incomoda ter que esconder sua feminilidade? Como você lida com isso?

“Nós seguimos o que diz o Corão (livro sagrado do Islã).  Nos vestimos assim para nos protegermos. Eu demorei um ano para decidir se queria cobrir meu rosto ou não. Não sou obrigada a cobrir o rosto. Foi opção minha. Me sinto protegida”.

TK: Protegida de que e de quem?

“Dos olhares masculinos. Na nossa religião mulheres não conversam com os homens, a não ser no trabalho ou em casa com os familiares”.

TK: Como assim? Por quê?

“Porque não queremos que nada de mal nos aconteça. Se não nos cobrimos, as chances dos homens nos olharem com “segundas” intenções são maiores e para nos preservarmos, preferimos nos cobrir”. No meu caso, como sou casada, é uma questão de respeito com o meu marido. Não me sinto a vontade me expondo em um ambiente onde há outros homens”.

Nesse momento meus pensamentos estavam a mil por hora! Tudo era completamente o oposto à minha cultura! Nós brasileiros, nos despimos ao invés de nos cobrirmos. Ousamos e exploramos nossa sensualidade ao máximo. Mostramos ombros, pernas, decotes, tudo o que a religião islâmica condena.

“Para que um homem se aproxime de uma mulher, ele tem que ter a permissão dos pais dela  ou estar com intenções sérias de casamento. Não há razão de um homem conversar com uma mulher ou vice-versa se não for para um compromisso mais sério”.

Eu fiquei extasiada! E embalei no ritmo dela..

TK: Desculpe, mas eu não consigo entender. Não há convívio social entre homem e mulher?

“Não. Quando há reuniões, festas, ou casamentos, os homens ficam em uma ala, e as mulheres em outra. Se meu filho leva um amigo na minha casa, minha filha não pode conversar com ele, ou ficarem juntos na mesma sala, a não ser que exista algum compromisso entre eles”.

TK: Mas como você vai saber se ele ou ela podem se aproximar se eles não se falam?

“Bom, nós analisamos sua conduta, sua família. Se ele for um bom rapaz, então perguntamos ao rapaz se ele gostaria de conhecer nossa filha e vice-versa. É como se isso já fosse um passo para um compromisso mais sério. Procuramos protegê-los ao máximo para que o casamento não seja destruído e a futura família preservada”.

TK: Mas e o amor como fica?

“O amor vem depois do casamento”.

(Glup!!)

TK: Então, na verdade, desculpe a minha sinceridade, essa vestimenta é para vocês se protegerem da tentação da carne?

“Digamos que sim. Queremos nos aproximar de alguém que nos queiram pelo o que somos, e não como um simples objeto de prazer”.

TK: Mas uma coisa está ligada com a outra! (já me considerando “a íntima”)

“Sim, mas nossos valores estão acima dos prazeres da carne. O importante é construir uma família sólida, que haja respeito e admiração pelo o que você é”.

TK: Mas, desculpe novamente, não consigo imaginar como um relacionamento pode dar certo dessa forma, pois se com todas as “químicas” e afinidades já existentes já é difícil um relacionamento, imagina um relacionamento onde nenhum desses dois predicados existem (me sentindo “a íntima” novamente!) 

“Pois é -  acrescentou ela – mas acreditamos em outros valores. A família, os filhos, isso tudo vem na frente.

TK: Mas se você não está feliz no casamento, pode se separar e tentar encontrar sua felicidade com outra pessoa.

“Quando se tem filhos, a prioridade são eles. Ainda que eu não esteja feliz, tenho que me sacrificar pela felicidade dos meus filhos”.

A partir dali, a maioria das minhas dúvidas já tinham sido mais do que esclarecidas. Ainda que para nós brasileiros tudo isso soe um tanto estranho, mas tenho que admitir, faz sentido. Tudo é em pról da preservação da família. A intenção é sem dúvida muito admirável. Mas, segundo a  minha entrevistada, mesmo com todos esses cuidados, hoje em dia os jovens não tem mais a mesma tolerância que antigamente e acabam se separando mesmo assim.

Devo ressaltar que o uso de “abayas e shilas” pretas são costumes locais. Outros países de cultura muçulmana como o Marrocos por exemplo, usam vestimentas que também tem o mesmo conceito, no entanto, são de outras cores e modelos.

A simpatia das instrutoras nos seus trajes muçulmanos e euzinha, no meu "tropical attire"

 

 

2 respostas a Cobrir ou não cobrir? Eis a questão!

  1. catharina disse:

    Adorei a sua entrevista, como a conheço e sei que e muito detalhista, nâo poderia ser outra pessoa,para fazer comentarios tâo precisos,fiquei tambem muito impressionada com sua coragem,sei do rigor da religiâo e dos limites que é imposto a essas mulheres.
    Parabéns.

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